Presidente do Conselho Regional de Medicina na Paraíba opina sobre a vacinação obrigatória

Vacinação obrigatória

Com o recrudescimento dos casos de COVID 19 e a iminência da liberação das vacinas pelas agências reguladoras, o país vem sendo tomado pelo debate acerca da obrigatoriedade de sua aplicação na população.

Pesquisa DataFolha recentemente divulgada mostrou que 22% dos brasileiros disseram que não pretendem se vacinar contra a covid-19, O Instituto Paraná Pesquisas revelou que mais da metade dos entrevistados (52%) não querem vacinação obrigatória.

A controvérsia sobre a autonomia de pacientes para a recusa de vacinação é anterior aos tempos atuais. Edward Jenner, médico e cientista inglês, pioneiro na utilização de vacina contra varíola, numa época de grande epidemia, enfrentou desconfiança sobre a utilidade e segurança de sua descoberta, mesmo após experimentos humanos de resultados surpreendentes.

Em 1904 o Rio de Janeiro viveu a Revolta da Vacina, marcada por conflitos e protestos populares. A principal causa foi a campanha de vacinação compulsória contra a varíola, coordenada pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz. A maioria da população era pobre e não tinha informações sobre como funcionam as vacinas. A revolta não era contra a imunização em si, mas contra a sua imposição.

Além disso, o excesso de informação fragmentada na era digital, que requer discernimento para identificar o mundo real e o falso, tem contribuído paradoxalmente para confundir e turvar a discussão sobre o tema. E nesse contexto, é oportuno entender um pouco mais sobre a questão da obrigatoriedade da vacina e a possibilidade de recusá-la.

É relevante esclarecer que recusa terapêutica e recusa vacinal são coisas diferentes. A recusa terapêutica ocorre quando um cidadão capaz, lúcido, orientado e consciente se recusa a qualquer tratamento que pode propiciar sua cura, desde que não haja risco para a saúde de terceiros ou doença transmissível. É portanto, uma decisão estritamente autônoma, realizada com suporte em informações esclarecedoras e livres, daí chamar tal decisão de consentimento livre e esclarecido. A Resolução no 2.232/2019 do Conselho Federal de Medicina é o suporte normativo que regulamenta a recusa terapêutica.

A recusa vacinal, por sua vez, ocorre num quadro em que o paciente não possui a moléstia, pois a vacina não é uma forma de tratamento, mas de profilaxia. Como a imunização evita a transmissão comunitária de doenças infecciosas, ou de qualquer outra condição semelhante, a recusa do cidadão expõe a população ao risco de contaminação e prejudica à saúde pública.

Enquanto na recusa terapêutica as informações contidas no termo de consentimento livre e esclarecido reforçam a autonomia do paciente, na recusa vacinal invariavelmente prepondera a desinformação que se amplia notoriamente diante da disseminação de fake news. Assim, diferentemente da recusa terapêutica, verdadeira conquista no direito de pacientes, a recusa vacinal representa um problema de sanitário que interfere no direito fundamental à saúde da comunidade. Uma outra questão a se esclarecer seria qual o limite entre imposições estatais (especialmente as relacionadas à saúde) e a autonomia individual, e qual a distinção sobre o que é obrigatório e o que é compulsório.

No entendimento de Mérces da Silva Nunes: “A Constituição Federal é o limite. O artigo 5o, inciso II dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e o inciso VIII, assegura que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; Da interpretação conjugada dos referidos incisos infere-se que o limite da autonomia individual, em relação à vacinação obrigatória, é a Lei.

Para o Ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF) “enquanto na vacinação forçada há violação da integridade física da pessoa humana, inclusive, por meio de violência pelo Estado; na vacinação compulsória há a restrição ao exercício de determinadas atividades ou à frequência de determinados lugares.”

O Supremo Tribunal Federal decidiu que o Estado pode determinar a obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19. Porém fica proibido o uso da força para exigir a vacinação, ainda que possam ser aplicadas restrições a direitos de quem recusar a imunização. Essa importante decisão, ressalte-se, já estava prevista no regime jurídico da vacina estabelecido pelo Programa Nacional de Imunizações que possibilita a existência de vacinas que sejam facultativas, obrigatórias e compulsórias consoante as peculiaridades de sua incidência e impacto sobre a saúde pública.

Uma das medidas mais efetivas para a prevenção de doenças, individual e coletivamente, ao evitar epidemias, a vacinação foi responsável por erradicar doenças como poliomielite, rubéola congênita e sarampo, e é a arma que faltava para impedir que a pandemia continue a paralisar o planeta.

Do ponto de vista ético, é aceitável defender o direito individual e recusar o que é obrigatório ou compulsório. Mas para decidir desta forma, portanto com autonomia, é preciso estar instruído com boas informações, como as que fez os brasileiros entenderem que em nome do interesse coletivo deveriam adotar a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança e que, a ninguém, é dado o direito de fumar em locais fechados.

Tão importante quanto a responsabilização de quem recusa uma vacina, é a oportunidade de fazer fortalecer a autonomia do cidadão através do fornecimento de boas informações em saúde, que lhe permitam, de fato, decidir livremente e com discernimento.

Roberto Magliano de Morais Presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba

 

 

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