O presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, disse nesta quinta-feira (8) que a alternativa do Brasil para aumentar a oferta de vacinas contra o novo coronavírus seria rever a própria estrutura do setor industrial brasileiro. Segundo ele, o pais não têm acompanhado os desenvolvimentos da biotecnologia no mundo. O Butantan é responsável pela fabricação da vacina CoronaVac no Brasil. “Somos um país retardatário. Nós somos simplesmente um absorvedor ou um comprador de produtos farmacológicos, ao contrário de outros países que colocaram isso como prioridade”, disse Covas, em audiência pública na Comissão Permanente da Covid-19 no Senado.
Covas citou a experiência da China. Aquele país, observou, além de ser um dos maiores desenvolvedores de biotecnologia do mundo, também é um dos maiores produtores. “[A China] tem uma política industrial já de há alguns anos e investe anualmente cerca de 4% do seu PIB só na indústria de biotecnologia. Ou seja, ela procura na biotecnologia um gerador de riquezas, um fomentador da própria economia chinesa”, ressaltou acrescentando que o Brasil deveria se concentrar na revisão da própria política industrial, com foco na indústria de biotecnologia.
Patentes
Na audiência, Dimas Covas rechaçou a tese de que a quebra de patentes de vacinas, neste momento, ajudaria o Brasil a ter acesso mais rápido às vacinas para covid-19. “Eu acredito que não. Pelo contrário, eu acho que a quebra de patentes nesse momento seria um elemento que traria uma dificuldade adicional por vários motivos”, disse.
“A deficiência nesse momento da disponibilidade de vacinas não decorre da proteção patentária. A deficiência decorre da nossa insuficiência, do ponto de vista industrial. O Brasil não tem uma indústria de biotecnologia desenvolvida, ele tem algumas iniciativas no setor público e no setor privado, mas não tem uma política industrial para a biotecnologia. Então, mesmo se ocorresse quebra de patentes, nesse momento, não haveria como incorporar a produção de muitas dessas vacinas, principalmente das vacinas que são mais complexas”, garantiu Covas.
Por outro lado, para o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, que também participou da audiência, a quebra de patentes seria interessante. “Como médico, do ponto de vista de um ser humano que tem amigos e parentes que já tombaram por essa pandemia e que já sentiu na própria carne os efeitos dessa doença, eu diria que a minha posição pessoal é favorável à quebra de patentes”, declarou.
Torres citou o inventor brasileiro Alberto Santos Dumont. Segundo ele, quando perguntado sobre o registro de patentes das inúmeras invenções que desenvolveu, sejam máquinas voadoras ou não, Santos Dumont respondeu: “Patente? Não. Ao contrário, eu quero que copiem meu invento e o aprimorem, para que a humanidade saia beneficiada”, disse o presidente da Anvisa.
CoronaVac
Dimas Covas negou notícias de que a produção da CoronaVac foi interrompida no país por falta de insumos vindos da China. “Nós não estamos com a produção interrompida. Na realidade, nós processamos o IFA [insumo farmacêutico ativo] que estava aqui já há 10 dias. Há 10 dias, nós terminamos o processamento do IFA e, neste momento, estamos processando as vacinas, estamos na fase de liberação das vacinas. Nos próximos dez dias, liberaremos 3,2 milhões de vacinas. Esperamos, até o final do mês, liberar mais seis milhões de vacinas”, explicou.
Fábricas vacinas veterinárias
Sobre a possibilidade da incorporação das fábricas de vacina veterinária para produção de vacinas contra a covid-19, especialmente as que produzem a vacina da febre aftosa, Covas disse que essas estruturas foram construídas dentro da necessidade da vacina animal, com sistemas de qualidade e de certificação feitos pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Mapa).
Por esse motivo, apresenta muitas deficiências quando se olha para uma vacina humana. “Uma adaptação dessa fábrica exigiria investimentos vultosos para transformar uma fábrica de vacina animal para as especificações de uma fábrica de vacina humana. Teriam que mudar as questões do ar, da pressão, do isolamento, enfim, de uma série de requisitos técnicos para atender às normas de produção”, alertou.
Apesar de não acreditar nessa possibilidade imediatamente, Dimas Covas disse que a alternativa seria viável no futuro, inclusive para outras vacinas como a raiva humana e hepatite,
desde que houvesse um alinhamento com uma política industrial: “se o Brasil quer se transformar num produtor de vacinas e de produtos biotecnológicos, inclusive para se preparar para futuras epidemias, talvez seja o momento de pensar globalmente numa política industrial junto com a incorporação de estruturas produtivas, como as fábricas de vacina animal, que são fábricas já especializadas, quer dizer, elas podem produzir um determinado tipo de vacina que já tem uma certa complexidade que são as vacinas produzidas em cultivo celular”.