Delírios do calor

O cenário é um açude. A hora, meidia em ponto. Entrei na água e fiquei boiando, como se não houvesse amanhã. Até que – sempre tem um infitete pra aperrear – de repente, senti algo tocando na minha perna. Dei um pinote tão da mulesta e, diante da realidade daquele local, pensei, de forma bem tranquila, como sempre faço quando tô apavorada:

– Oh senhor, é um cágado, né? Se for, diga logo pra eu morrer dentro do açude mermo.

E já veio um filme de quando eu era criança e aqueles bichos ficavam olhando pra mim com aquele pescoço espichado e eu, dura, estatalada, com medo.

Mas, diante do meu pavor, eis que surge uma cena improvável. E logo pra mim que não acredito muito em milagres. Minha gente, não era cágado coisíssima nenhuma. Era o Aquaman! Isso mesmo! Aquela lapa de homem daquele filme com o mermo nome, saindo de dentro d´água, se amostrando com os cabelos como nas propagandas de xampu. E logo perguntei com a fineza que faz parte de mim:

– Agora deu a mulesta! O que danado você tá fazendo neste açude, no sítio Arruda, em Paulista, perto de Pombal? Faltou água pra suas bandas, foi?

Era eu falando e ele entendendo tudo. Por certo, tinha uma tradução simultânea. Mas, quando ele foi responder, me acordei. Oh raiva, viu! Como é que o sonho faz uma coisa dessa com a pessoa? Sonho já tá dizendo, né? É uma coisa boa. Mas, não! Pra que inventou de me acordar? Só pra eu voltar a realidade. Essa eu já conheço.

Mas, já sei porque tive esse sonho. Foi um delírio provocado por esse calor dos inferno que tá fazendo. Se até um cágado foi transformado em Aquaman, não duvido de mais nada. Você deve tá pensando:

– Oxe! Uma sertaneja reclamando de calor?

Pra você ver. Nasci e morei em Pombal, até os 18 anos, e sempre achei o sertão muito quente, mas, agora o fogo se alastrou e a reclamação é por todo o estado, até na praia. Dia desses, me abestalhei com o mar e fiquei de molho, das 08 às 10h, passando protetor, vale salientar. Quando fui dormir, à noite, tive a certeza de que tinha uma fogueira amarrada no meu espinhaço. E nem adiantava ligar o ventilador. Era pior. Cada vez que o bicho ventava era mermo como se tivesse assoprando a fogueira.

Mas, como eu disse, o sol tá com tanta goitana, pra todo canto. Esses dias, fui trabalhar em Princesa Isabel, uma cidade tão longe, mas, tão longe, que pensei dar um pitu no calor por lá. Bom basta! Lá até a água tá com medo do calor. A pessoa se ensaboa e quando liga o chuveiro, ela volta bem ligeiro pra dentro dos canos, antes da gente se molhar. Vôte! Pense numa peleja! Saí toda ensaboada. Pensei: o cabelo tá duro duro, cheio de xampu. Apoi, quando tirei um retrato e botei no instagram (ondeinstatodomundo), aconteceu mais um delírio do calor. Elogiaram o meu cabelo. Por certo, acharam que era um novo modelo, né?

Só sei que, depois de Princesa, a próxima cidade seria Patos.

– Não! Por favor, não! Acendi vela, fiz macumba, fui pra igreja, rezei, orei. Até que recebi a notícia:

– Foi cancelada a viagem pra Patos.

Além de delírio, o calor também deve fazer milagre. Mas, por que eu não queria ir a Patos? É que, na última vez que fui, quando chegamos lá, no momento em que as portas da van foram abertas, tivemos a certeza de que eram as portas do inferno, no inverno.

Home, quer saber de uma coisa? Eu vou é voltar a sonhar. Vai que o Aquaman tá lá no açude me esperando pra me proteger das profundezas desse calor.

O humor sempre esteve presente na minha vida. Desde criança. Afinal, sou filha de pais bem munganguentos. Até hoje, pra onde me bulo, vejo uma coisa engraçada. Mesmo nos momentos mais sérios. Há oito anos, resolvi “empacotar” esse humor orgânico e botar “à venda”, em forma de standups, textos, crônicas, podcasts e vídeos postados nas redes sociais. No insta: @_romye e no youtube: Romye Schneider. Divido tudo isso, com o jornalismo, profissão que amo e exerço há 30 anos.

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