Uso indiscriminado de agrotóxicos e desmatamento nas áreas indígenas levam moradores de Baía da Traição a pedir socorro ao Ibama

Os indígenas e moradores de comunidades periféricas do município de Baía da Traição, no litoral norte paraibano, estão “pedindo socorro” ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e estão recolhendo assinaturas em uma carta-denúncia que relata o desmatamento e o uso indiscriminado de agrotóxicos nas áreas das treze aldeias do território potiguara. O documento, que já passa das trezentas assinaturas, será protocolado ainda esta semana no Ibama.

A carta-denúncia é uma iniciativa da Associação Paraibana dos Produtores de Mel de Baía da Traição (Paraibamel), instalada na Aldeia São Miguel – a maior e mais populosa comunidade indígena do município – e com o apoio e participação do vereador Ronaldo do Mel (sem partido), vice-presidente da Câmara Municipal de Baía da Traição (CMBT). A Associação Paraibamel é presidida por Víctor Júnior Lima Félix.

“Estamos nesta luta de mobilização nas aldeias para fazer este documento que vamos entregar ao Ibama. Estamos pegando as assinaturas nas comunidades e já passamos das trezentas assinaturas de apoio para protocolar a denúncia no Ibama”, revela Ronaldo do Mel, ressaltando: “O desmatamento e o uso desenfreado de agrotóxico estão demais. Estamos acumulando prejuízos com a dizimação de cajueiros, mangabeiras, da meliponicultora e da apicultura; também causando impacto no turismo e nos animais da região. Flora e fauna estão sendo destruídas. É muito triste”

No documento, a Associação denuncia que o desmatamento feito para a plantação de cana-de-açúcar, incentivada pela usina que atua na região, tem afetado diretamente as famílias que dependem dos recursos florestais e seus serviços ambientais, como os apicultores e catadoras de mangaba. No último censo agropecuário, conforme os denunciantes, os municípios de Baía da Traição, Marcação e Rio Tinto são os maiores produtores de mangaba advinda da atividade agroextrativista, realizada em sua maioria por mulheres no território potiguara.

Ressalta um trecho do documento: “Tem sido cada vez mais comum os relatos de diminuição das áreas de coleta da mangaba e a necessidade de percorrer maiores distâncias para encontrá-las, dificultando a manutenção dessa prática cultural sustentável e geradora de renda. Para os apicultores e meliponicultores potiguara a situação também é agonizante, visto que o desmatamento acaba com recursos forrageiros para as abelhas, às quais ficam sem alimento e moradia”.

“Além disso”, continua a carta-denúncia, “o uso de agrotóxicos e das queimadas para a colheita da cana-de-açúcar está inviabilizando a criação de abelhas e deixando-as em processo de extinção no território. Na Associação Paraibamel da Aldeia São Miguel, e para os apicultores das aldeias circunvizinhas, tem se tornado comum a necessidade de retirar os apiários do lugar devido à proximidade e o avanço dos monocultivos de cana-de-açúcar”.

Uma das lideranças indígenas de Baía da Traição, o vereador Ronaldo do Mel complementa: “Temos andado em algumas áreas e é de doer o coração. Mata virgem sendo dizimada, sendo arrancada e com colocação de fogo. Uma coisa bastante criminosa. Estão matando nossas riquezas, nossas matas nativas, nossas reservas, de onde o indígena retira o seu sustento há muitas gerações. Somos extrativistas, catadores de mangaba e castanha de caju. E agora tudo está ameaçado e fadado ao extermínio”.

Ronaldo também explica que, em números, “a gente ainda não tem como calcular os prejuízos. Mas tudo está sendo destruído… É vida, né?… Que está sendo destruída: aves, abelhas, insetos e demais animais nativos da região. Com isso, quem vai sofrer também é o ser humano, no caso os indígenas, principalmente. Nosso povo vai ficar sem condições de sobreviver. Muitos não têm estudo, profissão ou emprego. E só sabem sobreviver da extração… É grave. É muito grave”.

O veneno que estão usando na região de Baía da Traição, conforme Ronaldo do Mel, “mata tudo e afeta as nossas crianças, os nossos idosos. Está contaminando os nossos rios. O prejuízo é incalculável. Estamos sofrendo pressão e ameaças, mas não vamos desistir”.

Abelhas em perigo

O desmatamento, o avanço das lavouras de cana-de-açúcar e o uso indiscriminado de agrotóxicos têm causado a mortandade de milhares de abelhas e dizimado dezenas de colmeias dos apiários, colocando em risco a produção de mel e a sobrevivência econômica de pequenos apicultores indígenas. “A cana está ocupando todos os espaços. Perdemos abelhas e apicultores para a cana-de-açúcar”, denuncia Ronaldo do Mel.

Organizadas na Associação Paraibamel, cerca de 80 famílias mantêm 385 colmeias (de abelhas africanizadas e europeias – italiana) distribuídas em nove das treze aldeias indígenas existentes de Baía Traição. Com uma média de produção de 13 quilos por colmeia, a comunidade indígena na região garantia, até recentemente, a produção de algo em torno de 14 a 15 mil litros de mel ao ano.

O Viveiro Florestal Potiguara José Carlos Félix de Morais, na Associação Paraibamel, produz mudas de plantas nativas para reflorestamento nas áreas das aldeias indígenas localizadas no município de Baía da Traição. Desde que foi criado, foram produzidas até o momento cerca de 3,5 mil mudas e mais de 2,5 mil delas já foram distribuídas às famílias que sobrevivem do extrativismo no território indígena.

“A maior parte dessas mudas é de mangabeira, pois a maioria dos agricultores familiares indígenas sobrevivem da comercialização da mangaba, além da apicultura. E a distribuição das plantas, num primeiro momento, foi direcionada aos moradores da Aldeia São Miguel e comunidades circunvizinhas”, aponta Ronaldo do Mel. A Associação Paraibamel foi criada em 2006. No viveiro de plantas nativas da Associação, são produzidas mudas de jenipapo, mangabeira, jurema, mangueira, jatobá, cajueiro e acerola, além de plantas ornamentais, como a palmeira.

 

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