Lançado pelo governo fluminense, o programa Guanabara Azul é mais um capítulo das promessas para o futuro de um dos principais cartões-postais do Rio de Janeiro. Dessa vez, a aposta está na estruturação de uma governança capaz de viabilizar simultaneamente crescimento econômico e preservação ambiental. O desafio é grande. Embora na imagem aérea, a Baía de Guanabara abraçada pelo Cristo Redentor revele sua indiscutível beleza, há farto material fotográfico que documenta uma intensa degradação ao longo das últimas décadas.
Com a expectativa de mudar o cenário, diferentes projetos foram lançados desde os anos 1990. Há pouco mais de duas semanas, um novo passo foi dado com vistas à melhoria ambiental do corpo hídrico. A lei que criou o programa Guanabara Azul foi assinado pelo vice-governador, que acumula o cargo de secretário estadual do Ambiente e Sustentabilidade, Thiago Pampolha, durante o Green Rio, evento voltado para negócios, inovação e pesquisa em bioeconomia e sustentabilidade.
O Decreto nº 48.666 cria também o Centro Integrado de Gestão da Baía de Guanabara (CIGBG), que tem entre suas atribuições viabilizar e coordenar a integração de instituições e entidades, executar intervenções diretas, captar recursos para projetos, apoiar a criação de um sistema de monitoramento de dados e implantar um observatório envolvendo o comitê de bacia hidrográfica, universidades e centros de pesquisa.
O CIGBG terá um conselho gestor presidido pelo secretário estadual do Ambiente e Sustentabilidade, a quem compete nomear sete pessoas para integrar um comitê técnico-científico. O decreto define ainda que um conselho consultivo será formado por representantes de órgãos públicos, empresas privadas, entidades da sociedade civil e da academia.
>> Clique aqui e acesse todas as reportagens da série sobre a Baía de Guanabara
Na semana passada, foi anunciado o primeiro desdobramento do programa. Thiago Pampolha assinou, em Paris, um acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), para elaborar um plano de ação com vistas a tornar o Rio de Janeiro uma “metrópole azul”.
Segundo o vice-governador, o programa Guanabara Azul se desenvolverá em três frentes. Caberá à OCDE apresentar um diagnóstico da situação atual e elaborar um plano de ação, considerando os diferentes agentes que se relacionam com a Baía de Guanabara, incluindo municípios do seu entorno e empresas sediadas na região. Além disso, haverá editais públicos no valor de R$ 3 milhões para fomentar projetos de tecnologia e inovação em bioeconomia.
Por fim, será estruturado um sistema robusto para monitorar os dados, em parceria com o Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia (Lamce) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Usando imagens de satélite e equipamentos tecnológicos, o sistema permitirá acompanhar, em tempo real, informações variadas como temperatura, movimento das correntes marítimas, movimentos de poluição, deslocamentos de embarcações e lançamento de efluentes, que são resíduos provenientes da atividade humana.
“Nós vamos ter sistematizado tudo o que acontece na Baía de Guanabara de forma permanente e ao vivo. A gente vai ter esse mapa e nós vamos conseguir utilizar essa ferramenta como uma otimização das políticas públicas. Qualquer tipo de interação com o espelho d’água ou com fundo de baía será sistematizado. Isso vai dar um controle muito grande para gente poder, inclusive, fazer simulações de contenção a dano ambiental. Por exemplo, se tiver um derramamento de óleo hoje, a gente tem dificuldade de descobrir sua origem. Se a gente não consegue diagnosticar, a gente não tem como cobrar o responsável para reverter o dano no tempo adequado”, disse Pampolha, em entrevista à Agência Brasil.
Segundo ele, esses dados contribuirão para o cumprimento do plano de ação que será entregue a partir do acordo com a OCDE.
“A partir do momento que tivermos esse diagnóstico, teremos um comitê técnico científico que vai nortear, através de metas e indicadores, o que cada município, cada setor da indústria, cada empresa, cada agente que se relaciona com a Baía de Guanabara tem que fazer. O estado deverá estabelecer mecanismos regulatórios para poder cobrar a efetividade do que a gente identificar como meta.”
Pampolha afirma que o governo fluminense está empenho em promover a chamada economia azul, conceito que vem sendo atrelado a projetos de sustentabilidade no uso dos recursos do mar. Nesse sentido, foi lançado em abril o programa Blue Rio, voltado para buscar tecnologias inovadoras e apoiar startups no desenvolvimento de soluções para problemas locais. Com o Guanabara Azul, no entanto, a ideia é ter um olhar mais focado para a Baía de Guanabara.
“Nossa preocupação principal é estabelecer a governança da Baía de Guanabara. Então é um programa que irá atuar pela despoluição, mas vai além. Muita gente interage com a baía, mas pouca gente se responsabiliza pelas consequências das práticas do dia a dia. Por exemplo, abandono de embarcações. Quem é o responsável por fiscalizar isso? É a Marinha, a Capitania dos Portos, a prefeitura, o governo do estado? Fica sempre uma coisa muito solta e não existe uma responsabilização porque falta uma governança. Precisamos definir quem vai ficar responsável pelo quê”, diz.
Degradação
Na última terça-feira (12), o governo fluminense mobilizou agentes públicos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea) e da Polícia Militar para fixar uma barreira sanitária que funcionará 24 horas por dia no bairro Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. O objetivo foi bloquear pontos onde é comum o descarte irregular de detritos.
Em Jardim Gramacho, funcionava um lixão desativado em 2012. No entanto, diante da falta de fiscalização, resíduos continuaram a ser despejados no local inclusive por grupos criminosos, levando contaminação à Baía de Guanabara.
“Iniciativas de fiscalização e controle como essa serão orientadas pelo nosso plano de ação. Tudo isso vai estar sistematizado no Guanabara Azul”, afirma Pampolha.
Repercussão
O programa do governo fluminense, por enquanto, é visto com desconfiança por pesquisadores e ambientalistas preocupados com a Baía de Guanabara. Para o Movimento Baía Viva, criado na década de 1980, trata-se de uma iniciativa de gabinete. “É mais um programa governamental criado sem a participação da sociedade civil e das comunidades pesqueiras”, diz o ecologista Sergio Ricardo, cofundador do Movimento Baia Viva. Para ele, é preciso democratizar essas decisões.
Por sua vez, o pesquisador, biólogo e ativista Mário Moscatelli vê boa vontade por parte do governo, mas manifesta receio: “é a primeira vez que nós temos um vice-governador sendo secretário de Ambiente. Então a secretaria subiu de patamar. Eu já participei de algumas agendas a convite do vice-governador. Estive com ele em áreas onde outros secretários nunca estiveram. Existe disponibilidade de tempo dele para visitar áreas degradadas de manguezais. Mas não basta só ter vontade política. Claro que vontade política é fundamental para as coisas andarem. Mas é preciso materializar em ações. Não dá mais para esperar projetos mirabolantes”, diz.
Moscatelli avalia que a história da Baía de Guanabara é marcada pela má gestão de recursos públicos e pede urgência para iniciar a execução de projetos que de fato tragam melhorias ambientais.
“Acompanho desde os anos 1990. É impressionante o que se produziu de papel e de consultorias que não trouxeram benefício ambiental nenhum ou praticamente nenhum”, diz ele.