As Esquinas da Vida

A vida, suas esquinas e semáforos. Nos grandes centros condutores de veículos, pedestres, artistas, miseráveis, marginais, prostitutas, travestis, a sorte e o azar dividem espaço em cada esquina sob o ritmo do verde, amarelo e vermelho, sinais de um semáforo qualquer a impulsionar destinos diversos de um mundo modernamente desumano e de frieza polar.

Após mais uma madrugada, tendo como teto a marquise de um prédio, o relento como desafio, a família com o sol se levanta, para a esquina se dirige e na calçada se acomoda. O pai, no muro de uma casa encosta-se, um cachorro vira-lata ao seu lado, esquelético e esvaído, silenciosamente fecha os olhos. A mãe espalha um papelão e a filharada. De um saco imundo retira o pão mofado e o resto de coca-cola, catados na noite anterior num lixo próximo, coloca o seio para fora da blusa e ao mais novo serve o leite materno. Dois outros filhos, a cada sinal vermelho luzente no semáforo, se dirigem para o leito da rua e iniciam a degradante maratona diária de pedinte.

Algumas horas depois, em pleno sol causticante outra legião de ocupantes daquela esquina começa a chegar. Meninos e adultos, todos igualmente filhos da miséria extrema, da indiferença, do descaso reinante nesta festejada sociedade moderna. Ali, disputando cada espaço, promovem malabarismos buscando garantir a subvivência. Uns limpam pára-brisas, outros cospem fogo, brincam com bolas e pedaços de pau. Arriscam a vida, dividem centímetros da pista de rolamento com veículos que por ali transitam.

A noite se aproxima. As esmolas, gorgetas, insultos, pilhérias, indiferença e desdém se entrelaçam formando um grande novelo representativo do hipócrita e extremo mundo das desigualdades sociais. O sol se despede e a esquina dos excluídos começa a se esvaziar. A família junta os trapos e retorna para mais uma noite sob a “proteção” da velha marquise. Os demais retornam à escuridão dos seus respectivos buracos aviltantes e infames. Mas, quando menos se espera, o movimento ressurge. São os seres noturnos, miseráveis como os de antes, pontualmente comparecendo ao enigmático e errático expediente da perversa escuridão.

Passa o tempo e a história nos mostra que apenas mudam os personagens também flagelados. São tempos sombrios dos condenados das galés, dos mineiros, dos carvoeiros, dos retirantes de “uma morte vida Severina” imortalizada por João Cabral e Cândido Portinare.

A sociedade dos desprovidos é vizinha da dos abastados. Destinos infinitamente antagônicos. Como modificar essa realidade?

A resposta está contida no seguinte ensinamento de Chico Xavier: “O Cristo não pediu muita coisa, não exigiu que as pessoas escalassem o Everest ou fizessem grandes sacrifícios. Ele só pediu que nos amássemos uns aos outros. Tudo que criamos para nós, de que não temos necessidade, se transforma em angústia, em depressão”.

Onaldo Rocha de Queiroga é natural de Pombal, formou-se em Direito em 1987, ocupando diversos cargos na área, em várias cidades paraibanas. Atualmente é juiz da 5ª Vara Cível de João Pessoa e ocupa o cargo de juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça da Paraíba. Ingressou na literatura com o livro Esquinas da Vida e prosseguiu com Baião em Crônicas, Reflexões, Por Amor ao Forró, Crônicas de um Viajante, Meditações, Monólogos do meu Tempo; Efeitos, Homíneos e Naturais.

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